domingo, 21 de julho de 2013

Ser feliz na contemporaneidade



Cap PM Marcos Roberto de Assis Pinto (psiquiatra)


Estamos sempre em busca da felicidade, mas quando nos perguntamos o que é ser feliz, ouvimos muitas respostas diferentes. Entretanto, a maioria deve concordar que parasermos ou estarmos felizes precisamos de saúde, tranquilidade e certo conforto material. Dizendo desta forma parece bem simples sermos felizes, mas por que isto é tão difícil na prática? Por que a humanidade detentora de enorme conhecimento tecnológico, que se adaptou aos perigos naturais como nenhuma outra espécie no planeta, ainda se sente tão estressada, ansiosa e deprimida?
         Para melhor observarmos o ser humano, podemos analisar suas dimensões: biológica, psíquica, social e espiritual, e quando quisermos tratá-lo devemos  aborda-lo de forma holística.
         Autores como Bauman e Debórd encontram resposta a esta pergunta na configuração de nossa sociedade contemporânea, também chamada de “Pós-moderna”, “da Modernidade Líquida” ou “Sociedade do Espetáculo”. Em um primeiro momento, para sociedade, deveríamos ser alguém, e com o desenvolvimento do capitalismo, se tornou necessário teralgo. Entretanto, hoje se luta para parecer ser e ter muitas coisas, porém, de forma idealizada. Assim, deve-se parecer sempre jovem, bonito, rico, “descolado”, musculoso e muito ativo sexualmente. Para isto recorre-se a cirurgias plásticas desnecessárias, endividamento com aquisição de objetos supérfluos e uso de diversas drogas lícitas ou ilícitas.
          Cada vez mais o olhar e o desejo dos outros passam ser necessários para que seja preencha o que nos falta para a restituição de nossa plenitude narcísica.
         A tecnologia criada para nos servir, acaba nos escravizando; a televisão e a internet que possuem inegáveis qualidades positivas, também criam condições de isolamento, verdadeiras “multidões solitárias”. A ruptura do espaço e tempo no mundo virtual, no qual tudo está distante e próximo simultaneamente, também é transpassada para a realidade externa e deixa o ser humano em constante estado de alerta, pela exigência da busca pela liberdade e prazer, em detrimento de segurança e tranquilidade.
         Os relacionamentos são frouxos, efêmeros, pois é preciso estar sempre apaixonado, “a fila anda”; os divórcios ocorrem precipitadamente e por motivos muitas vezes questionáveis; os filhos “que já são grandinhos” se esforçam para se adaptarem a uma nova realidade com recursos próprios, mas que geralmente ainda são insuficientes.
          A violência banalizada se torna forma de identidade, de se obter reconhecimento rápido e global, uma vez noticiada, a violência é imitada e a seguir deve ser superada de forma mais cruel.
          A religiosidade perde a introspecção e seu objetivo espiritual, a fé agora é reconhecida e recompensada com bens materiais.
          A nossa tão desejada liberdade é também responsável pela angústia da dúvida frente a tantas opções. Neste constante fluxo de infinitas possibilidades, as satisfações impermanentes são seguidas de um sentimento de vazio e incompletude eternos.
           Qual seria uma resposta a toda esta situação? Do ponto de vista clínico, o uso criterioso de medicações pode mitigar o sofrimento a um nível que o indivíduo consiga se organizar e reestabelecer certo equilíbrio. A psicoterapia nas suas múltiplas formas, adequada à pessoa e com forte enlace empático é uma ferramenta muito eficaz.
          Penso também que seria útil revermos alguns de nossos atuais conceitos em relação à própria vida, a sociedade e espiritualidade. Por exemplos deveríamos aceitar que o sofrimento é inerente à vida, e esta é fugaz; consumir de acordo com nossas necessidades e realidade financeira; cultivar relacionamentos mais verdadeiros e profundos; ter uma atitude ética em relação a todos os seres e ao próprio planeta; contentarmos em ter apenas algumas qualidades; estarmos atentos aos nossos pensamentos, sentimentos e ações. Uma vidaconsciente pode parecer dolorosa, mas é a verdadeira forma de encontrar nela algum significado e de evoluirmos como indivíduo e como sociedade.
         Para concluir gostaria de reproduzir trecho da letra de uma bela música:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr.

(Epitáfio – Titãs)

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